O país dos estudos
Fiquei a saber por um telejornal que a excelentíssima câmara municipal de Lisboa vai fazer um estudo sobre a sinistralidade na cidade. Prazo: três anos. TRÊS ANOS. Se eu fosse mal intencionado diria que é mesmo a tempo das próximas eleições. Poderão os ditos estudos ser muito complexos, necessitar de profundas reflexões, implicar com viscosa burocracia nacional, será o trânsito em Lisboa muito mal planeado, com sinalização destituía de sentido ou o estacionamento impossível em alguns pontos, várias deslocações em transportes públicos atingem preços e/ou tempos inacreditáveis ou são de todo impraticáveis, tudo isto é triste, tudo isto é fado. E é verdade todos os dias. Mas o que ficamos a saber é que durante os próximos três anos o Eng.º Carmona Rodrigues não vai fazer nada em prol da civilidade de quem vive e trabalha na cidade. Não é possível continuar permanentemente a espetar-nos no fígado a "modernização" da cidade e permitir um ambiente de selvajaria urbana como o que existe em Lisboa. Não é possível continuar com carros em cima dos passeios, das passadeiras, o desrespeito pelas mais básicas regras de trânsito, todos os dias, a todas as horas e com a maior descontracção, ao ponto de qualquer reparo ser recebido com insultos e ameaças. Isto não é ser "moderno", isto não é ser civilizado. Há muito que refiro a falta de sentido urbano dos portugueses, reflectido no abandono da cidade por um qualquer ideal suburbano do viver-no-campo-perto-da-cidade-e-ter-um-quintal-p'rós-miúdos que construiu uns subúrbios sensaborões a apenas duas horas de Lisboa, nos melhores casos, ou na sua maioria em milhares de pessoas encaixotadas em monstros de cimento sem garagem, mas com três automóveis, com reflexos em grandes contas bancárias de alguns industriais da construção, e qualquer coisita para funcionários e dirigentes autárquicos. A largueza com se comete toda a sorte de tropelias pelas ruas da cidade resulta também da sensação de impunidade que existe, ao ponto de a EMEL muito justamente punir os infractores, embora ainda insuficientemente, e ao lado dezenas de veículos mal estacionados, a empatarem o tráfego e impedirem a circulação de peões passarem impunes porque tem que ser a polícia a actuar. Poderá o Sr. Presidente da câmara dizer que não manda na dita autoridade, que não pode mandar por um agente em cada esquina, terá a sua cota de razão. Acontece que o cargo que ocupa lhe confere mais poder que a alguns ministros, talvez a lei não o diga assim, mas a realidade é essa. Se dito Senhor ainda não o percebeu, então lamento, mas não serve para a posição que ocupa. A solução é seguramente muito complexa, implica os tais estudos, implica a famosa mudança de mentalidades, mas para já era possível começar pela repressão. Nada funciona tão bem em Portugal como ir ao bolso do cidadão, e se ao asneirar, a probabilidade de ser multado, bloqueado ou rebocado fosse grande, muita gente pensava duas vezes e depois, com uma ou duas gerações estas regras entravam no quotidiano dos indígenas. O processo civilizacional sempre foi, pelo menos numa primeira fase, um processo violento. Em Lisboa corre-se o risco de se ter que passar à acção directa sistemática sobre os queridos popós dos infractores para o assunto se tornar importante para alguma televisão.
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