sexta-feira, janeiro 05, 2007

Os estalinezinhos de natal

Durante anos viveu-se com um vago à vontade. Não em Portugal, por que aqui, do rei ao Costa (Afonso), pelo Oliveira, o Caetano, o Álvaro, o Soares, o Aníbal e agora o José, sempre houve o paizinho. Aliás, procura-se paizinhos por todo lado. Da junta de freguesia mais pequena ao empresário mais independente lá vem o pedido, e normalmente quem paga é o orçamento – ou seja: nós. A desgraça é que ao invés deste jardim infantil evoluir, pelo menos, para uma escola secundária cheia de adolescentes insuportáveis, é o resto da Europa que se infantiliza. De resto sempre andaram por lá uns rapazes que se notabilizaram por impor a sua paternal protecção, quer a malta quisesse, quer não. Um dos vários estrondosos resultados é o famoso multi-culturalismo, que se traduz num paternalismo reaccionário, que trata os outros como imbecis, e que não é mais que uma forma de racismo, talvez mesmo das mais perniciosas.

(Nesta linha os nossos vocais representantes nacionais lembraram-se agora de aulas bilingues, trilingues ou mais)

Claro que apoiar quem é estranho, quem tem dificuldades na integração criar um equilíbrio entre as raízes de cada um e a exigência de cidadania, dá muito mais trabalho e não aparece nas notícias.

Estas pouco mansas espécies foram evoluindo ao sabor dos tempos. A luta de classes já não dá, os valores da moral e da virtude não comovem ninguém, o mercado oferece uma panóplia de produtos que nos distinguem, nos elevam, nos consolam, nos tornam únicos ou mesmo os melhores. Desde que não se pense muito no assunto (qualquer assunto...) podemos ser muito felizes. Mas, surgiu um problema. Para sermos mesmo felizes temos que ser saudáveis, estar protegidos (principalmente de nós próprios), contornar as preocupações da vida, e aí é que estes comovidos pais dos povos resolvem intervir para nossa glória e salvação. O primeiro grande cavalo de batalha foi o tabaco. O tabaco faz mal as nós e aos outros, e naturalmente é melhor não fumar. O problema não está nas restrições, está no zelo. Eu já escrevi algures que concordo com a abolição do tabaco nos restaurantes, em espaços fechados, nos aviões, nos comboios, etc. Os fumadores estão até a pagar o preço de anos de falta de atenção para com os outros, que por acaso são a maioria. Quem viajou de avião no tempo do fumo e teve o azar de só arranjar lugar na zona de fumadores apanhava com umas senhoras finas, arreadas como se fossem ao baile, que se bamboleavam pelo corredor e vinham cá atrás dar umas passas. Ou no restaurante o gordo de bigode ao nosso lado acaba de almoçar lautamente, e entre o disfarçar de dois arrotos acende um cigarro, sem pedir licença, nem reparar que vamos começar a comer uma saladinha delicada. Enfim os exemplos podiam continuar. Mas se eu quiser abrir uma companhia aérea só para fumadores com voos mais caros e tudo, não posso. Claro que se fosse para nudistas, não havia problema nenhum. Mas o tabaco foi só início. A porta estava aberta, toca de entrar em força. Gorduras? Não há pior veneno. Logo toca a ingerir comida saudável, de preferência sem sabor para não habituar mal o palato. O "famoso peixinho grelhado", mesmo que o peixe seja uma merda, e duas horas depois esteja a pedir uma daquelas merendas gordurosas, um Sumol e um café. Aprender a comer, primeiro, e depois comer com equilíbrio e moderação dá trabalho e é uma grande chatice. Há sempre aqueles comprimidos, as algas, os chás e o raio que o parta. O exercício físico é outra obsessão moderna. Andar a pé é aborrecido, logo vamos para um ginásio ou desatar a correr que nem uns malucos como se o mundo fosse acabar amanhã. Quando a idade e a barriga já se mostram resulta numas lesões, três meses parados, chocolate e bolachas e mais dois quilos. Qualquer dia é a vez do vinho, mas ao preço que os restaurantes o têm, a coisa vai lá naturalmente. Certo que a natural irresponsabilidade com que se vive por este velho continente fora alimenta esta gente, e de um modo geral o pagode até acha bem, para não dizer que acha óptimo. Aqui ao lado, o senhor Zapatero é um verdadeiro expoente desta gente. Não gosta de comer, não gosta de beber, não gosta de tourada nem do natal, compreende a ETA (o que já deu asneira, e vai dar mais...). Fez uma lei parva sobre o tabaco, que de um modo geral não se cumpre, inventou medidas mínimas para as modelos e pretende fazer a purificação memorial da guerra civil como se tudo fosse fácil, preto e branco. Para mais avanço vanguardista proponho até que crie cotas com pesos, tamanhos, raças, preferência sexual (orientação, como se diz agora...), religião (desde que não a católica), animais domésticos e outras, para tudo e mais alguma coisa. Mas os exemplos sucedem-se, a senhora Ségolène acha que se deve referendar a entrada da Turquia, é contra os lenços nas cabeças muçulmanas e dorme mal, arreliada com o fio dental das tennager’s. A doce Holanda aprova partidos que acham normal a pedofilia. A orgulhosa Inglaterra, país que albergou maravilhosos tarados ao longo da história, proibiu, pelas piores razões, a caça à raposa com cães e hospedeiras de usarem crucifixos ao pescoço. Até na fria Polónia uns gémeos se agoniam com Darwin. Cá com aquele zelo próprio das crianças que teimam em ver as exposições seguindo com precisão a ordem numerada dos quadros, o nosso protector governo decide coisas espantosas, apadrinhadas pelo estratégico-cooperante-agora-também-exigente-de-resultados inquilino de Belém. Assim, certamente angustiada pelo meu descontrole financeiro, a administração fiscal pretende que eu declare as quantias que a minha mulher me fornece, imbuída pela convicção de que esta espécie de ralhete fará de mim um farol de rectitude financeira para os meus filhos. Pretende também que se eu protestar contra alguma decisão, com o perverso fito de atrasar a justiça e equidade social, levantar automaticamente o sigilo fiscal, porque como diz o salazarento ditado, quem não deve não teme. Deseja que eu me modernize, me simplifique e me torne mais fresco com um cartão único. Sem dúvida, aliviando a minha doente coluna do peso dos cartões de contribuinte, de eleitor, da segurança social e do BI, que não cabe na carteira deformando-se impiedosamente. Saiba Vossa Excelência que o cartão que mais me pesa é o de sócio do Moto Clube de Sintra, poderá neste sentido providenciar um espacito no chip, para lá incluir tal documento?