sábado, julho 24, 2010

Os deuses e os homens

O Tour tem hoje a sua etapa decisiva e, salvo acidente de percurso, vamos assistir à consagração de Alberto Contador. Inteiramente justa, diga-se, Contador é um grande campeão tendo já vencido as três voltas e apresenta-se como o maior candidato a igualar ou mesmo até ultrapassar os feitos de Bernard Hinault ou Lance Armstrong. Se olharmos os palmarés de ambos apenas na óptica das grandes voltas, Hinault foi o único ciclista que venceu as três mais que uma vez e Lance tem sete vitórias no Tour. À décima quinta etapa, na subida para Port de Balès, Schleck lançou um ataque que terminou da forma conhecida, Contador não só ganhou tempo até ao cume como aproveitou na descida a boleia de Sanchez, a quem falta aquela parte do cérebro onde está o medo. A questão subsequente sobre a falta de sportmanship está por demais debatida, embora seja uma regra não escrita, em rigor não diminui em nada o valor de Contador, nem tenho a certeza que em papéis inversos o desfecho não seria igual. No entanto, e creio que os trinta e um segundos de vantagem seriam de pouca valia no contra-relógio final, a oportunidade de subir a um panteão menos frequentado, esteve ali, a poucos metros. Se Contador tivesse esperado por Schleck ter-se-ia elevado acima de uma boa parte dos campeões que foram ficando na história. Acredito que esteja sinceramente arrependido. A novela que se seguiu, com a trapalhada de declarações e por fim a chegada ao Tourmalet, onde Contador deveria ter atacado para ganhar e não oferecer um de prémio de consolação, mostram alguma desorientação. Confesso o meu gosto por estes gestos que os tempos que correm não valorizam. Na era da produtividade e do marketing em que o  resultado é independentemente do preço, nunca o segundo foi tanto o primeiro dos vencidos. Talvez seja curioso, mas não é de modo algum surpreendente, que nunca tenha feito tanta falta ao ciclismo algo que mostre mais que as nuvens de suspeição que escurecem o horizonte. Os meus heróis da bicicleta são do passado. O Hinault dos anos ’80 por quem eu esperava no resumo da etapa ao fim da noite ou em versão trágica, Pantani a fugir pelo Alpe D’Huez acima em ’97. Se a Vuelta e o Giro sigo desatento, continuo a seguir o Tour com gosto, na net ao minuto ou numa estratégica necessidade de cafeína num momento mais interessante, mas sem paixão especial por nenhuma personagem. Contador teve esse lugar no meu coração, ali à sua frente, mas deixou-o fugir e estas oportunidades não surgem muitas vezes. Que não restem dúvidas, a sua vitória do Tour 2010 será mais que justa, mesmo que no fim sejam menos que trinta e um segundos.

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