quarta-feira, abril 19, 2006

19 de Abril

O conhecimento e a memória sempre foram desvalorizados na sociedade portuguesa, e a ignorância caminha sempre de mãos dadas com as piores ideias. Vem isto a propósito do desafio lançado por Nuno Guerreiro na Rua da Judiaria com as melhores intenções, mas que por cá descambam sempre. Depois da exaltação bacoco-nacionalista do estado novo, e provavelmente como reacção, apareceram uns arautos dos oprimidos a descobrir crimes em todos os recantos da história portuguesa. Os descobrimentos transformam-se em encobrimentos, escravatura, fome, peste e guerra. Qualquer conhecimento mínimo de história vê isto como algo óbvio, cá e em todo lado. O que me aborrece é sempre a alfinetada ideológica para bater na globalização, na igreja, no estado ou em qualquer outro sujeito apanhado a jeito. A herança dos povos é constituída por momentos bons e maus, e a conversão forçada de mouros e judeus, o pogrom e a consequente fuga para outras paragens é um dos momentos mais negros de Lisboa, não só pela maldade óbvia, mas também por todas as consequências que teve na vida da cidade, porque afastou estas comunidades, embora tendencialmente fechadas, são muito dinâmicas. Acresce ainda que sempre que se expulsou, perseguiu, ou simplesmente se tornou claro que alguém não era bem-vindo os resultados deixaram sempre a desejar, seja por afastar trocas comerciais, seja por empobrecer o tecido social, seja por tornar a vida de todos um inferno. Facilmente se percebe que num país periférico todas estas questões assumem um relevo particularmente importante.

No dia 19 de Abril vou ao Rossio acender uma vela, não porque exija justiça, porque queira vingar alguma coisa, ou porque queira que alguém peça perdão, há quem se regozije com essas coisas, infelizmente faz parte do ressentimento e da mesquinhez portuguesa. Vou porque acho inaceitável a falta de memória dos portugueses, acho incompreensível que não exista nada que assinale o facto, algo físico, palpável, uma placa, um monumento, qualquer coisa que se veja e não esteja enterrado num qualquer livro de história, que infelizmente ninguém lê. Claro que isto vale para uma quantidade enorme de outras coisas, mais antigas, mais recentes, de esquerda, de direita, para todos os gostos, que em qualquer cidade importante na Europa se tropeça com facilidade.