O Dakar não morreu hoje. Não ficou de grande saúde, mas também não morreu e enquanto há vida há esperança. Já vimos anos em que se decidiu ao sprint, anos aborrecidos em que se decidiu muito cedo. Decisões inesperadas, decisões de equipa, decisões estranhas. Este foi o ano das seguradoras.
Toda a gente perdeu. Os privados menos abonados, muitos pagarão por muitos anos um rally que nunca começaram. Uma parte muito dificilmente voltará. A organização que para além do trabalho perdido, terá certamente que perder muito mais tempo a negociar todas as questões financeiras que vão ser levantadas por muita gente. A tempo se verá qual a melhor solução. África, e em particular as populações mais pobres, para quem o rally trazia visibilidade e algum dinheiro extra. África é infelizmente uma crónica perdedora. Portugal, porque ficará fatalmente associado a esta edição. E, sobretudo, perdemos nós, não só os que gostam de corridas ou simplesmente de aventura, mas todos nós, cidadãos livres que nos encolhemos com comunicados e com a suspeita. O medo devora a alma, como dizia Fassbinder...
Não pretendo que a decisão tenha sido fácil, nem sequer que tenha sido errada. Os dados não estão todos disponíveis, e compreensivelmente, poderão nunca estar. O Dakar atingiu uma visibilidade, que associada à voracidade mediática dos dias que correm, não recomenda habilidades. Recordo que a cada acidente grave, que por muito que custe dificilmente se evita numa competição destas, se questiona tudo e mais alguma coisa, quanto mais se existisse uma acção terrorista de maior ou menor impacto. Já morreram concorrentes por explosão de minas, vítimas de tiros, já houve roubos e raptos e até ameaças explicitas de facções armadas, a fazer fé no governo Francês nunca com a força que desta vez aparenta. Os tempos são outros, e não adianta agitar o fantasma de Sabine.
Importa olhar para o futuro. Não creio que as ameaças que se atravessaram no caminho da caravana desapareçam para o ano. Não creio que em países como a Mauritânia, o Mali ou as proximidades fronteiriças da Argélia se consiga tornar o deserto “seguro”. Nem que este tipo de ameaças não possam ser lançadas com facilidade todos os anos, que inviabilizaria a utilização de grandes áreas de território. A porta que se abriu pode ser, de facto, o fim da meta nas margens do lago Rosa. Pode levar o rally para outras paragens, onde este tipo de ameaças é mais difícil (Olá, senhor Kadafi...). Pode desvirtuar o traçado de tal maneira, que mesmo acabando em Dakar, nada seja reconhecível. Pode provocar uma evolução, muitas vezes já se chamaram as carpideiras, para depois as mandar embora. O tempo é de espera e está tudo muito quente.
Uma coisa não consigo deixar de sentir, devem-me mais uma partida do Dakar em Lisboa...
Etiquetas: 2008, Dakar, terrorismo